segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Belém: Um eterno sorvedouro opaco de recursos públicos

 
 
O Má Despesa anda, há anos, a reclamar a Belém a publicação dos contratos e despesas detalhadas. Esta exigência não se prende com qualquer capricho dos autores deste blogue, tendo por base a simples observância da lei, algo que devia ser indiscutível num Estado de Direito. Mas a Presidência da República (PR) pensa de forma diferente,  ao ponto de, em 2012, ter apagado a secção de nome "Contratos" que constava do respectivo site institucional e que não continha qualquer informação. Não obstante, nesse mesmo ano, aquele órgão de soberania  chegou a garantir à TVI24 que a situação iria ser corrigida, contudo tudo permanece igual lá para os lados de Belém. A situação é tão vergonhosa que agora até o Tribunal de Contas (Relatório nº 23/2015 - 2ª Secção Auditoria à Presidência da República – Ano 2014) veio recomendar "à PR que siga o princípio-regra da publicitação dos dados dos contratos públicos, nos termos previstos no CCP [Código dos Contratos Públicos], e só excecionalmente, ponderadas as dimensões da transparência e da segurança, restrinja a publicitação de elementos que comprometam os aspetos de segurança subjacentes à escolha do, também excecional, procedimento por ajuste direto." Sem surpresa, o Tribunal de Contas (TdC) constatou que o ajuste directo é rei lá para os lados de Belém. Partilhamos com os leitores outras informações relevantes da auditoria ao órgão de soberania que fundamenta a sua falta de transparência com base em "razões de segurança"- a alegação até teria piada num regime não democrático. 
 
Ora vejamos quanto nos custa a Presidência da República:
  • "Em 2014, as receitas efetivas da PR foram de 15.883 m€ (milhares de euros), sendo 15.703 m€ provenientes do OE, principal fonte de financiamento, 104 m€ de receitas próprias e 75 m€ do saldo da gerência anterior. As receitas, face a 2013, sofreram um ligeiro decréscimo, de 0,9% (-140 m€), resultante da redução das transferências do OE (201 m€) e das receitas próprias (-15 m€).
  •  Em 2014, as despesas totalizaram 14.953 m€, situando-se a execução orçamental em 94,1%. As despesas financiadas por receitas próprias representaram apenas 0,5% do total
  • As “Despesas com pessoal”, financiadas exclusivamente por dotações do OE, totalizaram cerca de 9.991 m€ (66,8% do total da despesa) e as despesas com “Aquisição de bens de serviços” 4.217 m€ (28,2%). 
  • As despesas com “Aquisição de bens de capital” totalizaram cerca de 744 m€ (5,0% do total) repartidas, no essencial, por despesas com “Edifícios” (376 m€), “Equipamento informático e software” (152 m€) e “Equipamento Básico e Administrativo” (186 m€).  
  • "Note-se que o atual Presidente da República prescindiu, a partir de 1 de janeiro de 2011, do seu vencimento, por ter optado pela pensão de aposentação, pelo que a SGPR apenas lhe paga as despesas de representação", no valor de 2.962,59 €.
Vejamos os recursos humanos da PR:
  • "Em 2014, exerceram funções na PR 247 pessoas, das quais 88 nos SAD [Serviços de apoio direto ao Presidente da República] e 159 na SGPR [Secretaria Geral da Presidência da República]
  • "Encontram-se afetos à residência oficial do Presidente da República, o mordomo e 10 assistentes operacionais (4 a exercer funções de motorista)."

Suplementos remuneratórios e outros abonos:
  • "No que diz respeito aos suplementos remuneratórios de caráter permanente, na SGPR existem os seguintes: abono para falhas; despesas de representação; serviço de copa e mesa; suplemento de risco.
  • A dois elementos da PSP, a desempenhar funções em regime de requisição, um como gestor do parque automóvel e outro como motorista, são pagas pela SGPR as remunerações de acordo com a sua situação de origem e os abonos pelo exercício de funções na PR.  
  • Ao pessoal a quem sejam regularmente confiadas, em acumulação, funções relativas ao serviço de mesa e de copa, poderá ser atribuída uma gratificação mensal, a fixar pelo CA, sob proposta do Secretário-Geral. 
  • Ao pessoal da SGPR são pagas despesas com telecomunicações até ao limiar previamente fixado pelo CA que atende às funções desempenhadas e à disponibilidade exigida (comunicações fixas e telemóveis para alguns cargos). "
Carros e motoristas:
  • "A frota automóvel da PR é constituída por 49 viaturas, sendo que 13 pertencem ao Estado e 36 encontram-se em regime de aluguer operacional de longa duração.
  • Os motoristas encontram-se afetos a: Presidente da República; Cônjuge; Chefe da Casa Civil; Chefe da Casa Militar; Ex-Presidentes da República; Secretário-Geral; Secretário do Conselho Nacional de Defesa; Secretário do Conselho de Estado. Os restantes motoristas são afetos consoante as deslocações. "
Imóveis próprios da Presidência da República, a título de cedência de interesse público e locados: 
  • "Próprios: Palácio Nacional de Belém (sede da PR), que inclui seis pequenas casas de função, e Palácio da Cidadela de Cascais; 
  • Cedência: Armazém sito na Calçada da Ajuda; Casa do Regalo; fração no Edifício Presidente; parte do Convento do Sacramento; 
  •  Locados: Andar na Rua de São Bento e Associação de Resgate – Instituto Conde Agrolongo." 
O fardo orçamental dos ex-presidentes da República
Fique a saber que a Casa do Regalo foi objecto de "cessão a título precário e gratuito, em 11 de maio de 2005, entre a Direção-Geral do Património e a SGPR, para instalação do Gabinete do ex-Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio."
Na fracção do Edifício Presidente (Edifício do Estado cedido à Presidência de Conselho de Ministros), "encontra-se instalado o Gabinete do ex-Presidente da República, General Ramalho Eanes. A SGPR suporta despesas de condomínio de frações e arrecadações do imóvel pelo montante trimestral de 2,4 m€. "
O Convento do Sacramento está destinado ao "Futuro Gabinete do atual Presidente da República, Professor Aníbal Cavaco Silva. A PR assumiu o compromisso de realizar intervenções de reabilitação do imóvel, já iniciadas, tendo o contrato de adjudicação, no montante de cerca de 475 m€ (c/ IVA incluído), sido visado pelo TdC, em 29 de outubro de 2014."
 O andar na rua de S. Bento é objecto  de locação para instalação de trabalho do ex-Presidente da República, Dr. Mário Soares, celebrado com os representantes da “Fundação Mário Soares”. O contrato para o arrendamento do 2.º andar do prédio, pelo prazo de 5 anos renováveis por períodos de um ano, com início em 1 de março de 1996, estipula uma renda mensal de 580 mil escudos (4,3 m€, em 2014). "

Outros privilégios dos ex-presidentes:
  • "Ao ex-titular do órgão de soberania Presidente da República (ex-Presidente da República), eleito na vigência da atual Constituição, é atribuído uma subvenção mensal igual a 80% do vencimento do Presidente da República em exercício, cumulável, sem limitações, com as pensões de aposentação, de reforma e de sobrevivência ou com a remuneração na reserva das Forças Armadas a que tenha direito
  • O ex-Presidente da República, desde que tenha exercido um mandato, usufrui também do direito a: uso de automóvel do Estado, para o seu serviço pessoal, com condutor e combustível; gabinete de trabalho, sendo apoiado por um assessor e um secretário da sua confiança; ajudas de custo, nos termos da lei aplicável às deslocações do Primeiro-Ministro, sempre que tenha de deslocar-se no desempenho de missões oficiais para fora da área de sua residência habitual; livre-trânsito; passaporte diplomático; uso e porte de arma de defesa.
Os benefícios e regalias  atribuídos aos ex-presidentes são tão arbitrários que o TdC entendeu necessário recomendar o óbvio à PR: "que diligencie junto da AR pela densificação da legislação que disciplina a instalação, enquadramento institucional e orçamental, composição e funcionamento dos Gabinetes dos ex-Presidentes da República."
 
Austeridade? Isso é para o povo- parece ser o lema de quem (também) passa por Belém. .
 
(o negrito é nosso)

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